sábado, 10 de novembro de 2007

LINGUAGEM E MAGIA

A preocupação com o idioma a ser utilizado nos ritos mágicos e evocações é muito antiga e tem gerado extensa polêmica. O filósofo neoplatônico Iâmblico, em seu livro “De Mysteriis”, já contesta Porfírio de Tiro e assegura que o sentido impenetrável dos nomes bárbaros usados em cerimônias religiosas corresponde à sua extrema antigüidade e que merecem, portanto toda veneração, pois possuem um caráter revelado que os aproxima da linguagem dos deuses.Muitos séculos mais tarde, em 1486, o filósofo e cabalista Pico de la Mirandola publica as suas polêmicas “Conclusões Mágicas e Cabalísticas”, nas quais afirma algumas teses aparentemente contraditórias. Nas conclusões de número XXVI ele diz que: “Toda voz tem virtude na magia, enquanto se forma pela voz de Deus.

As vozes não-significativas podem mais em magia do que as significativas, pelo profundo da conclusão precedente. Nenhum nome pode ter virtude na obra mágica, enquanto significativo e enquanto nome singular tomado em si mesmo, a não ser que seja hebraico ou um derivado direto.” Por outro lado, nos oráculos atribuídos a Zoroastro, o mesmo autor nos diz que “os nomes bárbaros, por não mudarem há muito tempo, possuem potência infalível.” Desde então as diversas escolas herméticas e mágicas estabeleceram várias abordagens para a comunicação com as entidades espirituais.

O legendário mago e alquimista elizabetano John Dee estabeleceu um marco pioneiro ao compilar as bases do idioma “enoquiano”, a língua falada pelos anjos com os quais mantinha contato por meio de uma série complexa de evocações. Até hoje a chamada “linguagem enóquia” é estudada e utilizada amplamente por magos do mundo inteiro, tendo a reputação de instrumento extremamente eficaz. Um exemplo desse idioma:

Madariatza das perifa Lil cabisa micaolazoda saanire caosago de fifia balzodizodarasa iada. Nonuca gohulime: micama adoianu mada faods beliorebe, soba ooanoa cabisa luciftias yaripesol, das aberaasasa nonucafe jimicalazodoma larasada tofejilo marebe pereryo Idoigo od torezodulape...

A tradução é: “Oh, vós, céus que habitam o primeiro ar, sois poderosos nas partes da terra e executais o julgamento do altíssimo. A vós, disse-se: -Contempla a face de vosso Deus, o início do Conforto, cujos olhos são o esplendor dos céus, que vos deu o governo da terra e sua indizível variedade...”

Outro idioma místico é o “senzar”, uma língua que seria falada pelos Mestres e Adeptos do Himalaia, ensinada individualmente a cada discípulo. Possui um alfabeto próprio de natureza ideogramática e a tradição quer que seja oriundo da linguagem que os deuses utilizavam para falar com os primeiros Iniciados. Naturalmente, é um idioma do qual não foi possível encontrar nenhum exemplo concreto.

Os cabalistas, por sua vez, preferem o uso do hebraico, idioma considerado sagrado e com o qual Deus conversa com Seus anjos. Apesar da premissa bastante exacerbada de supor a intimidade do Altíssimo, o hebraico de fato manifesta excelente poder de atuação junto a toda sorte de entidades espirituais. Mesmo os demônios ancestrais da Suméria e da Babilônia compreendem os comandos e banimentos em hebraico, principalmente o “Kaddish”, a oração pelos mortos. O fato parece corresponder à natureza específica do alfabeto hebraico, cuja forma atual remonta a Esdras e ao cativeiro da Babilônia. Elaborado com um arte e geometria, suas 22 letras correspondem aos 22 polígonos regulares e aos 22 arcanos do Tarot, sendo passíveis de vários tipos de combinações específicas da Kabbalah, tais como a Gematria e a Temura, por meio das quais revelam-se novos sentidos em cada palavra. Trata-se, portanto, de uma característica própria do hebraico a eficácia na comunicação com entidades espirituais.

Outro idioma de grande utilização por várias escolas místicas é o sânscrito, conhecido como “Devanagari”, a escrita dos deuses. Possivelmente devido à sua antigüidade, apresenta uma qualidade mântrica muito especial, provocando efeitos vibratórios intensos ao redor de quem o utiliza. Dentre os idiomas místicos, é o mais musical, apresentando mantras de grande beleza. Talvez por isso seja utilizado quase sempre em operações mágicas que envolvam as Forças da Luz, embora também possa servir aos efeitos contrários.

O latim, apesar da reputação de que goza em alguns círculos mais influenciados pelo catolicismo e sua liturgia, na verdade é o menos eficaz e o que apresenta maior dificuldade no seu uso. Para que seja útil é necessário que o operador possua uma clara consciência de seu significado, o que, se é essencial para todos os idiomas, é ainda mais necessário no uso do latim, prejudicado pelos usos sacerdotais da Igreja Católica.

Idiomas ágrafos como os de povos nativos, africanos e aborígines, também carregam um enorme poder, principalmente pelo tipo de mentalidade integrada com a natureza que permite a comunicação espiritual direta. O “iorubá”, o “patois”, o “papiamento” e outros idiomas e dialetos são também excelentes meios de comunicação espiritual, mas exigem uma grande identificação e ligação com a cultura específica.

Em qualquer idioma que se opere, o fundamental é a compreensão perfeita do que está sendo enunciado, o que só é possível por meio de uma meditação profunda e um envolvimento crescente com a linguagem utilizada.

Seres espirituais como anjos e demônios compreendem perfeitamente o sentido de qualquer declaração em qualquer idioma, desde que haja uma intensa energia emocional envolvida.

Palavras vazias caem no vazio e essas poderosas entidades simplesmente ignoram ritos estéreis e desprovidos de alma. Em função disso podemos compreender porque, em princípio, qualquer idioma pode ser utilizado, desde que a pessoa possa expressar-se nele com desenvoltura.

Muitos ritos enfatizam expressamente a correta pronúncia e o fato de que nenhuma sílaba seja trocada. Mesmo assim, uma decidida e clara proclamação no idioma natal pode ser eficiente. O que é preciso é evitar o ranço aristocrático de utilizar um idioma porque é antigo ou exótico.

Apenas um número muito restrito de obras mágicas exige idiomas específicos. Como uma operação da alma e do coração, a Magia exige apenas coerência entre a intenção e o gesto.

Algumas vezes as palavras podem ser insuficientes e o silêncio, a música ou as lágrimas podem dizer tudo o que os anjos precisam saber.